terça-feira, 19 de abril de 2011

Os tempos de Centro Acadêmico do Jefferson... CONFIRAM!

Professor do Instituto de Geociências da Unicamp, Jefferson de Lima Picanço
http://jd.picanco.zip.net/ --> CONFIRAM TAMBÉM O BLOG DO PROFESSOR!

MEUS TEMPOS DE CENTRO ACADÊMICO

Uma das frases que mais gosto é uma daquelas que, de tão geniais e espontâneas, nem se sabe quem foi o primeiro que disse, e todo mundo repete. “Escolha fazer uma coisa de que você gosta, e você não precisará mais trabalhar”. Genial, não?
Eu adoro minha profissão, e também adoro escrever. Inclusive tenho um blog (o Urublues), no qual cometo algumas heresias e faço alguns textos, já se vão três anos. Quando o Guilherme me convidou a escrever um texto para o blog do CAGEAC, fiquei muito feliz e honrado com o convite. Mas, sobre o que falar?
Bom, já que é para o blog do Centro Acadêmico, eu posso falar um pouco do pouco que sei sobre centros acadêmicos. Pode ser? Vamos lá, então. Fiz minha graduação nos anos 80 na Universidade Federal do Paraná em Curitiba, e participei ativamente do Centro Acadêmico, o Centro de Estudos Geológicos do Paraná, CEGEP. Participei ativamente mesmo. Fui diretor cultural, vice-presidente, presidente e tesoureiro, num espaço de cinco anos, de 1983 a 1987.
Quais eram as lutas e questões do ME (Movimento Estudantil) daquele tempo? Eram tempos de fim de Regime Militar, que acabaria melancólico, pela porta dos fundos, em 1985. No Paraná especificamente, mas pelo Brasil todo também, era uma época de desmontar as estruturas herdadas dos milicos e construir novas. Por exemplo, naquela época praticamente não havia centros acadêmicos, o DCE-UFPR havia sido reconstruído fazia só cinco anos. Havia uma estrutura chamada Diretório Acadêmico, onde as direções dos Setores (Institutos) tinham ingerência quase total. No nosso campus, onde estavam as engenharias e a Geologia, somente o CEGEP havia restado ileso da Ditadura. Em parte porque era um curso mais novo, fundado em 1973, em parte porque a geologia tinha muitos problemas ainda não resolvidos, problemas estruturais e de pessoal.
Fizemos muitas demandas – protestos, greves, manifestações - por mais aulas de campo, por mais verbas para aulas de campo, para aparelhamento mínimo do curso (bússolas, estereoscópios, microscópios, etc.) e, também, por mais professores. Tudo estava em transição: era o fim do domínio dos militares, o período dos grandes comícios das Diretas e o começo da Nova República de Tancredo/Sarney. Na geologia fizemos várias greves, quase todas vitoriosas. Foi um período historicamente muito rico, e também o período do surgimento dos principais personagens da cena política brasileira de hoje.
Nosso centro acadêmico tinha certa organização, depois de quase oito anos brigando. Construímos certa fama de “encrenqueiros”. De 1980 até 85 foi um período em que estivemos o tempo todo em pé-de-guerra. Depois, melhorou um pouco, e tivemos as aulas de campo garantidas. Tínhamos um Jornal, o “Jornal do Caverna”, impresso em mimeografo e distribuído entre os alunos. Tinha de tudo: matérias sérias, gozação, tirinhas. O que eu achava triste era o personagem-símbolo do Jornal, o Capitão Caverna. Acho que hoje ninguém mais conhece, mas era um popular anti-herói de desenhos animados da TV, um pouco como o Brucutu, até hoje símbolo do CEPEGE da USP.
O CEGEP era num porão. Nas férias quase sempre alagava, e perdíamos tudo – móveis, tapetes e, pior, documentos. De dezembro a março tínhamos que ficar em casa com as Atas e documentos do Centro Acadêmico para que não fossem molhadas nos alagamentos. Num desses verões, tinha até um rato morto lá dentro. Criamos um personagem para o Jornal do Caverna, o rato Astolfo Schultz. O Astolfo até foi personagem de história em quadrinho, virou quase um mascote do Centro Acadêmico.
Em geral, fazíamos chapas com todos os anos do curso. No meu caso, entrei no centro ainda calouro (ou bicho, como se diz por aqui) e saí às vésperas de me formar. Era uma tática inteligente, a dos meus veteranos. Sempre se convidava um ou dois “bichos” pra participar. Deste jeito, você acaba formando as pessoas para, na época certa, assumirem seus compromissos com os colegas e com o curso. E todo mundo participa, sem as famosas “panelinhas”.
Nem tudo foi flores, claro. Houve uma vez que tivemos um bate-chapa que marcou nossa geração no CEGEP. Nossa chapa era de oposição à política do Departamento de Geologia. Para o nome da chapa, tínhamos duas opções: “pedra no sapato” ou “areia no olho”. Quando os caras da outra chapa viram o nome Areia no Olho, criaram a chapa “Colírio”. Fora esse aspecto de piada, foi uma eleição muito tensa, inclusive com muitas pressões até de professores. Tivemos uma derrota acachapante, mas até hoje me lembro com orgulho dos 34 corajosos votos que tivemos, contra mais de 100 votos da outra chapa. No ano seguinte, lançamos a chapa Arenito no Olho - com o slogan “Agora mais consolidada!”. Com meu amigo e camarada Amin Katbeh, hoje um importante empresário do setor de perfuração de poços, fizemos todos uma gestão importante para legalizar o CEGEP e arrumar sua estrutura. Conseguimos também melhorar a representação discente nos colegiados do curso, o que foi um avanço notável. Particularmente, acho que este foi meu melhor período no centro acadêmico, um período mais maduro e objetivo.
Em 2003, com os demais presidentes e vice-presidentes do CEGEP, tive a honra de ser homenageado durante as comemorações dos 30 anos do centro acadêmico. Fiquei feliz vendo a gurizada lá, desempenhando seu papel, apesar dos tempos e das demandas serem outras, tocando o barco e remando contra a maré.
Vivemos hoje um bom momento para a Geologia Brasileira. Estamos criando novos cursos, a sociedade pedindo mais geólogos, e a gente nem consegue formar todos os que são necessários. Na área de petróleo, somos a referência quando se fala em águas profundas. Durante os desastres naturais que nos acometeram nos últimos anos, os Geólogos estiveram presentes tanto na linha de frente, em investigações emergenciais de risco quanto exigindo o compromisso das autoridades para diminuir a vulnerabilidade da sociedade aos desastres.
Os Centros Acadêmicos podem e devem estar presentes nestes debates. E é a própria sociedade que exige essa participação. É nos Centros Acadêmicos que se geram as lideranças da comunidade geológica. Os debates do Centro, apesar de às vezes serem chatos (alguns são mais chatos que os outros), são importantes para o amadurecimento político dos estudantes.
“Eu não gosto de política”. Essa eu ouvi muito pela vida afora. O sujeito acha que, se não gostar de política, a política vai se afastar dele. Ora, é justamente ao contrário. Quanto mais “apolíticas” as pessoas se declaram, e quanto mais aumenta o analfabetismo político das pessoas, mais e mais vamos ficar reféns dos populistas de sempre.
Participe das discussões de seu Centro Acadêmico. Se não concordar, divirja. Se achar que não está sendo feito do modo correto, monte a sua chapa – evite as panelinhas – e vá à luta. O que não pode, o que não dá, é passar os cinco anos da universidade sem aprender, no dia-a-dia de seu centro acadêmico, as bases de uma participação política autêntica e cidadã.
Muito obrigado.

Perfil do Professor:

Nascido em 1963 em Antonina (PR). Graduado em Geologia (UFPR, 1989) com mestrado (1993) e doutorado (2000) na USP. Trabalhou como professor-substituto na UFPR e como geólogo sênior em diversas empresas de engenharia, mapeamento geotécnico e exploração mineral, tendo atuado em projetos no sul, sudeste e centro-oeste. Desde julho/2010 é professor do IG-UNICAMP, no Departamento de Geociências Aplicadas ao Ensino (DGAE). Ministra disciplinas para os cursos de Engenharia Civil e Biologia. Também tem colaborado nas disciplinas de mapeamento (Trabalho de Campo e Campo II). Tem projetos de pesquisa em História da Mineração no Brasil e de Mapeamento Geológico-Geotécnico. Gosta de literatura e tem um blog (Urublues – imprecisões, algaravias, garatujas e heresias), onde tem um público modesto, mas honesto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário